Recuperação de barragem na Estação Ecológica de Arêdes pode causar dano irreversível

Observatório Lei.A vem acompanhando de perto as ameaças que incidem sobre a Estação Ecológica de Arêdes, uma unidade de conservação estadual de proteção integral, inserida na bacia hidrográfica do Alto Rio das Velhas e que faz parte do Sinclinal Moeda (uma formação geológica composta de áreas verdes, que constituem a principal zona de recarga hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte).

Arêdes abriga um complexo arqueológico da época da descoberta do ouro em Minas Gerais e vinha sendo tombado nos níveis municipal e estadual. Além disso, faz parte do cadastro nacional de sítios arqueológicos catalogados pelo Instituto Histórico do Patrimônio Nacional (Iphan).

Em 28 dezembro de 2017, a Estação Ecológica de Arêdes diminuiu seu tamanho em mais de cem hectares, por força de um “projeto lei Frankenstein” que deveria ser a favor da fiscalização das barragens de rejeito e da recuperação de áreas degradadas pela mineração. Tal medida, tomada pelos deputados no apagar das luzes do ano de 2017, deixou desprotegidas nascentes e construções históricas, datadas do século XVIII (link).

Para evitar que esse patrimônio fosse destruído, em 10 de abril de 2018, o Ministério Público de Minas Gerais entrou com pedido de “tutela de urgência”para proteção da área e recomendou que o município concluísse o tombamento do complexo arqueológico que abrange toda a área da unidade de conservação.

12 dias entre arquivamento e ação de mineradora

O processo de tombamento municipal se iniciou em 2103, mas vem esbarrando nos interesses econômicos de empresas mineradoras, que cercam a unidade e pressionam para que a área tombada seja menor do que recomendam os laudos técnicos, o que, segundo o Ministério Público, descaracterizaria o patrimônio histórico. Acontece que em 12 de setembro o Conselho Consultivo e Deliberativo do Patrimônio Cultural e Natural do Munícipio de Itabirito (Conpatri), descumpriu a recomendação do Ministério Público e arquivou o processo de tombamento.

Apenas doze dias depois, a Minar Mineração (mesma empresa que se beneficiou da lei Frankenstein) entrou com processo de licenciamento para recuperar uma barragem no entorno da unidade, com aproveitamento dos minérios presentes no rejeito lá depositado. O que a princípio seria uma obra benéfica, se tornou uma ameaça ao patrimônio histórico diante da afirmação da empresa que não garante que sua obra manterá intacta a estrutura do complexo arqueológico. O receio é que a movimentação das máquinas acarrete o desmoronamento do que resta dos sítios arqueológicos, causando dando irreversíveis.

Documento número 98/1989/007/2018 anexado pela Minar na Supram

“Considerando a existência de vestígios arqueológicos entre a Barragem Minar (que é um sítio arqueológico) e o Dique 2, e que pela ADA passava, pelo menos, um canal que se ligava a outras estruturas no passado, não podemos afirmar que o empreendimento não causará mais impactos, visto que já obliterou estruturas”.

Documento do Conselho Consultivo e Deliberativo do Patrimônio Cultural e Natural do Município de Itabirito (Conpatri)

Entenda o caso

Estação Ecológica de Arêdes é uma unidade de conservação de proteção integral criada com a finalidade, de proteger o patrimônio natural e arqueológico local. Está localizada nos limites do município de Itabirito, que se localiza a cerca 60 Km de Belo Horizonte. A área protegida ocupa a antiga fazenda de Arêdes, local historicamente explorado intensamente pela mineração (primeiro em busca de ouro e depois de minério de ferro).

As explorações deixaram três barragens de rejeito na área em que hoje se encontra a estação ecológica. Por conta das preocupações que sucederam ao desastre do rompimento da barragem do Fundão em Mariana, ocorrido em 5 de novembro de 2015, o Ministério Público Federal recomendou ao antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração, que realizasse a fiscalização de barragens de mineração no estado que não tinham sua estabilidade garantida pela Fundação Estadual do Meio Ambiente em Minas Gerais (Feam-MG).

Na lista da Feam constam três barragens em Arêdes. Dois diques, chamados de 1 e 2, que juntos possuem um volume de 17.000 m3 (o equivalente a aproximadamente 7 piscinas olímpicas) e uma a barragem de 130.000 m3 (52 piscinas olímpicas). Esta última, localizada na área desafetada pela lei Frankenstein e que se encontra hoje sob tutela da justiça.

Por força de acordo judicial, a Minar Mineração, dona dos direitos minerários na área, ganhou acesso à unidade de conservação integral, território onde é proibido qualquer atividade minerária. Por opção comercial, a empresa decidiu por retirar os rejeitos de um dos diques com o objetivo de reprocessamento do minério ainda existente na barragem, antes da área ser recuperada. Assim, a empresa fez uma solicitação junto ao órgão ambiental para iniciar o processo de licenciamento ambiental.

Apesar de estar localizada dentro de uma unidade de conservação de proteção integral, surpreendentemente, o processo foi classificado como sendo Licenciamento Ambiental Simplificado (LAS). Uma modalidade de licenciamento que é realizada em uma única fase e de forma auto declaratória, ou seja, a empresa é a responsável pelo preenchimento de informações que são encaminhadas diretamente ao órgão ambiental, sem a necessidade de realizar estudos de impactos ambientais do empreendimento.

Porém, como o empreendimento está próximo a vestígios arqueológicos,dentre os quais se destacam edificações construídas em pedras no século XVIII (uma capela, currais e a provável senzala construídas da antiga fazenda Arêdes) e que vinham sendo tombados, o empreendedor ainda precisaria da autorização do Conpatri. Porém, como consta em documento assinado pelo presidente da entidade, “o processo de tombamento do Complexo Arqueológico de Arêdes fora arquivado devido ao transcurso do prazo de 180 dias, sem que tenha havida a homologação”.

Segundo a carta, assinada pelo presidente do Conpatri, que é também Secretário Municipal de Cultura, Ubiraney de Figueiredo, o prazo, que iniciou em março de 2018, esgotou-se em 24 de setembro. Com isso, a área perdeu a proteção que vinha tendo do município. Questionado sobre o tema, até o fechamento da matéria o Conpatri não respondeu aos questionamentos do Lei.A.

Na Ação Civil Pública, quando recomendou a finalização do tombamento, o MPMG afirmou que “o Município de Itabirito está se esquivando de proceder ao tombamento do Complexo Arqueológico de Arêdes, por motivos que não guardam relação com seu valor cultural.”, e ainda apontou desvio de finalidade dos conselheiros “Verifica-se, portanto, que os conselheiros agem com PATENTE DESVIO DE FINALIDADE visto que, embora reconheçam o valor cultural do Complexo Arqueológico de Arêdes — cuja área, repita-se, pertence integralmente ao Estado de Minas Gerais, estão permitindo que os interesses de empresas mineradoras que querem explorar a área em proveito próprio, prevaleçam sobre os interesses da sociedade”, diz o texto do MPMG.

Linha do Tempo

Nós do Lei.A estamos acompanhando de perto as ameaças que incidem sobre a Estação Ecológica de Arêdes. Assim, elaboramos um quadro histórico de sucessivos ataques ao patrimônio histórico e natural de Arêdes desde a criação da Estação ecológicas

INVENTÁRIO DA FEAM SOBRE BARRAGENS NO ESTADO DE MINAS GERAIS (ANO 2016)

Imagem aérea de Arêdes

Outros tombamentos

O complexo arqueológico de Arêdes faz parte também do Cadastro Nacional de sítios arqueológicos catalogados pelo IPHAN. Diante desse fato, o empreendimento da Minar necessitava da consentimento do instituto, que foi concedido com a única condicionante de se avaliar impactos sobre as ruínas.

O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG) é outra entidade que iniciou tombamento do complexo. Porém, nos documentos anexados pelo empreendedor na Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) não consta que instituto foi consultado sobre a obra. O Lei.A entrou em contato com IEPHA que não estava sabendo do empreendimento. Segundo sua assessoria, o órgão está em reformulação com a troca de governo e o processo de tombamento de Arêdes está paralisado.

Documento do IPHAN que solicita anuência para as obras em Arêdes

– Veja como a Cultura tem buscado salvar Arêdes da entrada da mineração na Unidade de Conservação. (link)– Para ter a acesso a tudo que o Lei.A já publicou sobre Arêdes, clique aqui

Por que a Estação Ecológica de Arêdes é importante?

A Estação Ecológica de Arêdes foi criada em 14 de junho de 2010 pelo Decreto Estadual n.º 45.397, em uma área equivalente a 1.158 hectares, ou seja, quase 1.200 campos de futebol. A unidade foi criada com o objetivo de proteção da flora, fauna, recursos hídricos e também do patrimônio histórico e arqueológico, além do desenvolvimento de pesquisas científicas.

Estas áreas compõem um corredor ecológico formado com outras unidades de conservação e áreas preservadas na região, como o Monumento Natural da Serra da Moeda. Ela conta com 40 nascentes e abriga também 520 espécies de plantas, 21 espécies de anfíbios, 13 espécies de répteis, 11 espécies de peixes, 186 espécies de aves, 30 espécies de mamíferos e três ruínas do ciclo do ouro datadas do século 18.

Além da importância histórica, Arêdes é local de recarga de água da bacia do Alto Velhas, abastece a comunidade de São Gonçalo do Bação, em Itabirito, e está na faixa de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, guardando endemismos e rica variedade de fauna e flora. Além disso, a estação ecológica mantém importantes sítios arqueológicos, com três construções que remontam à época da descoberta do ouro em Minas Gerais.

O que você pode fazer?

– Mobilize seus amigos e crie grupos de discussão nas redes sociais com a hashtag #SomosTodosAredes. Seu depoimento será registrado e pode ser publicado também em nossas redes sociais.

– Mande diretamente uma mensagem aos órgãos de defesa do patrimônio cobrando medidas de proteção ao complexo arqueológico. O telefone são: (31) 3563–2924 (Conpatri); (31) 3235–2800 (Iepha) e (31) 3222–2440 (Iphan).

– As organizações da sociedade civil podem provocar o Ministério Público de Minas Gerais através da Ouvidoria (31- 3330–8400) ou diretamente nas promotorias de Justiça.

Matéria de autoria do Blog LEI.A