Os impactos da flexibilização das leis de trânsito propostas por Bolsonaro

MARLON SOARES*

Ao longo dos últimos dias, muito tem se falado nas rodas de conversa, no noticiário jornalístico, nas redes sociais e até mesmo no almoço de família a respeito das propostas apresentadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, indicando mudanças na legislação de trânsito do país. No Projeto de Lei, que foi entregue pessoalmente esta semana pelo chefe do executivo nacional ao Congresso, algumas alterações polêmicas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e outras normas previstas em resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) prometem acalorar a discussão a respeito da segurança no trânsito. Em entrevista, acompanhado pelo ministro da Infraestrutura, o presidente afirmou que o projeto apresentado, apesar de parecer simples, atinge a todos os brasileiros. Certamente, Bolsonaro acertou o alvo com tal declaração, provavelmente sem a dimensão correta dos impactos prováveis que as medidas apresentadas causarão, se aprovadas.

Apesar de ter sido mais uma ação adotada tardiamente, a entrada em vigor do Novo Código de Trânsito Brasileiro, em 1998, mostrou-se um importante instrumento no enfrentamento aos acidentes de trânsito e suas consequências catastróficas. Imediatamente após o início da vigência do Código, no Carnaval de 1998, houve redução de aproximadamente 45% no número de acidentes, comparando com o mesmo período do ano anterior. Verificou-se também que, após a entrada em vigor da “Lei Seca”, em 2008, ocorreu redução de cerca de 28% das internações hospitalares decorrentes de acidentes de trânsito, segundo estudos publicados pela Revista ABRAMET, no ano de 2009. Percebe-se que fatores como o aumento do rigor da legislação de trânsito, associado à sanções impostas aos infratores, são determinantes na redução das ocorrências e da gravidade dos acidentes. Se combinados com as devidas políticas de educação para o trânsito, os resultados tendem a ser bastante satisfatórios.

Acidentes de trânsito aparecem como uma das principais causas de morte no Brasil. Para se ter uma ideia, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, no ano de 2017, perdemos 35.374 vidas nesta carnificina que é o trânsito brasileiro. Entretanto, o número de óbitos é provavelmente maior, já que a metodologia adotada computa somente as mortes ocorridas no local do acidente, negligenciando as vidas ceifadas nos dias posteriores, mas em decorrência dos acidentes.

Diante de números tão elevados, é possível elencar e categorizar os custos sociais e econômicos derivados dos acidentes de trânsito. Além do principal: o custo de se perder vidas, segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), os custos envolvendo acidentes fatais e não fatais envolvem perda de produtividade, danos à propriedade, custos médico-hospitalares, atendimento policial, processos judiciais, entre outros. Só no ano de 2014, segundo relatório apresentado pelo IPEA, os custos sociais dos acidentes nas rodovias federais totalizaram algo em torno de 12 bilhões de reais. As indenizações

pagas pelo DPVAT em 2018 somam mais de 320 mil, considerando os três tipos de cobertura (morte, invalidez permanente e reembolso de despesas de assistência médica e suplementares). Traçando um paralelo com a guerra da Síria, que resultou em cerca de 200 mil mortes em 4 anos, o somatório do extermínio ocorrido nas vias de trânsito do país, em período semelhante, encontra-se em um patamar muito próximo.

Em diversos países do mundo, medidas mais restritivas estão sendo adotadas com o objetivo de reduzir o número de acidentes. Nas últimas décadas, Japão, Canadá e os países que compõem a União Europeia desenvolveram e aplicaram estratégias que aumentaram a segurança nas vias urbanas e rodovias, como a intensificação da fiscalização, a redução dos limites de velocidade, a obrigatoriedade de itens de segurança, a reorganização do espaço urbano, além de campanhas pedagógicas. Os benefícios obtidos de maneira geral foram a redução no número de fatalidades e uma maior humanização do sistema viário.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em relatório publicado em 2018, propôs maior proatividade dos gestores na implantação de ações que contribuam para o alcance da meta global de reduzir, pela metade, o número de mortos e feridos por acidentes de trânsito até o ano de 2020. Uma das medidas largamente difundidas é a redução dos limites de velocidade para 50Km/h nas vias urbanas. Nas cidades em que foi aplicado esse limite, como é o caso de Bogotá, na Colômbia, constatou-se queda de 32% no número de mortes.

Na contramão de políticas públicas tão importantes para a preservação da vida humana, deparamo-nos com o anúncio do Projeto de Lei que visa abrandar algumas regras de trânsito vigentes. Com propostas de cunho populista, como o aumento da pontuação máxima para suspensão do direito de dirigir e a inaplicabilidade de multa aos responsáveis que transportarem crianças sem cadeirinha, o governo dá sinais de excessiva permissividade. Medidas como essas implicam em claras oportunidades para motoristas infratores contumazes colocarem em risco suas vidas e dos demais usuários do sistema viário. Espera-se que, durante os trâmites na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário do Congresso, ocorra o mínimo de bom senso dos parlamentares para análise e reprovação desses desacertos e consequente declínio na direção de novas medidas que contribuam para um trânsito mais humano.

  • Marlon Soares é engenheiro e pós graduando em logística e cadeia de suprimentos, servidor público municipal na Prefeitura de Itabirito